Este pormenor da minha infância é o resumo de toda a minha vida. Mais tarde quando encarei a perfeição, compreendi que para se vir a ser santa era preciso sofrer muito, procurar sempre o mais perfeito e esquecer-se de si mesma; compreendi que havia muitos graus na perfeição e que cada alma [10vº] era livre de responder aos apelos de Nosso Senhor, de fazer pouco ou muito por Ele, numa palavra, de escolher entre os sacrifícios que Ele pede. Então, como nos dias da minha primeira infância, exclamei: – «Meu Deus, eu escolho tudo. Não quero ser uma santa a meias; não tenho medo de sofrer por vós; só tenho medo de uma coisa, é de conservar a minha vontade, tomai-a, porque ‘Eu escolho tudo’ o que vós quereis!...» Tenho de parar; não devo falar ainda da minha juventude, mas do pequeno Diabrete de quatro anos. Lembro-me de um sonho que tive, creio que por esta idade, e que se gravou profundamente na minha imaginação. Uma noite, sonhei que saía para ir passear sozinha no jardim. Tendo chegado ao fundo dos degraus que era preciso subir para lá chegar, parei aterrorizada. Diante de mim, ao pé do caramanchão, estava um barril de cal e, em cima do barril, dois horrorosos diabinhos dançavam com uma agilidade surpreendente, apesar dos ferros de engomar que tinham nos pés; de repente lançaram sobre mim os seus olhos flamejantes, e logo no mesmo instante, parecendo muito mais assustados do que eu, precipitaram-se abaixo do barril e foram esconder-se na rouparia que ficava em frente. Vendo-os tão pouco valentes, quis saber o que iam fazer e aproximei-me da janela. Os pobres diabinhos andavam por lá, a correr em cima das mesas, e sem saber o que fazer para fugir ao meu olhar; algumas vezes aproximavam-se da janela, verificando, com ar inquieto, se eu ainda lá estaria e, vendo-me ainda, recomeçavam a correr como desesperados.
– Sem dúvida, este sonho nada tem de extraordinário; contudo, creio que Deus permitiu que me lembre dele para me provar que uma alma em estado de graça nada tem a temer dos demónios, que são uns cobardes, capazes de fugir diante do olhar de uma criança...
– Sem dúvida, este sonho nada tem de extraordinário; contudo, creio que Deus permitiu que me lembre dele para me provar que uma alma em estado de graça nada tem a temer dos demónios, que são uns cobardes, capazes de fugir diante do olhar de uma criança...
(Teresa de Lisieux, in 'História de uma Alma', Ms A 10vº, — Alençon (1873-1877), Escolho tudo)